Eu demorei, mas finalmente entendi. Você dizia-se preparado, mas eu insistia em perguntar se estava confortável. Talvez fosse minha intuição falando mais alto, meu subconsciente preparando-se para sua partida, ou minha racionalidade acreditando não ser possível alguém como você, tão metodicamente encantador, estar apaixonado e no mesmo ritmo que eu. É, você não estava.
Tento não pensar muito em ti, no que vivemos. Mas, sem querer ou perceber, pego-me lembrando dos teus olhos cinza, verdes e outrora azuis. E quase choro ao passar por um carro como aquele que costumava ser a nossa casa. Revivo tua pele macia acariciando minhas mãos enquanto nossos braços dispunham-se entrelaçados. Isolados pelos vidros embaçados por conta de nossas respirações.
Não consegui acabar aquela série que prometemos assistir juntos. Tenho medo que eu seja a Hannah Baker e você o meu único “porquê”. Não consigo ouvir aquela música que apresentaram-me. Sempre lembro da rua risada quando confundi-me e cantei: “É você que tem a boca tão gigante e os olhos tão gostosos”. Não consigo assistir “A 5ª Onda” que tanto queria. Meus olhos dispersam-se ao lembrar que, quando tentamos assistir, foi a última vez que te vi.
Em Grey’s Anatomy, a Meredith diz que nunca lembramos do último beijo apaixonado pois não esperamos que seja o último. Mas eu devia esperar. Eu devia saber que seria nosso último beijo. Eu deveria ter percebido que você estava absorto e eu inteiramente perdida em ti.
Chamava-me de “caravelinha”, mas certo dia percebi que falávamos de objetos diferentes. Você referia-se àquele barco. Aquele que superficialmente navega pelo oceano. Estando ali apenas como um meio. Partindo sempre de um início e buscando sempre um fim.
Mas eu não. Pensava naquele animal que condiciona toda vida ao oceano. Aquele que apesar de estar viajando, caçando e protegendo-se, era intrinsecamente ligado ao mar. Sabendo que, independente das frustrações e mudanças ao longo da vida, ele estaria ali.
Eu chamava-te de “meu oceano”.
Talvez você não soubesse a significância que tinha para mim. E apesar da ciência de que poderíamos não ficar juntos para sempre, pedia todas as noites que sim. Pois não sabia que não era oceano, mas chuva de verão. Aquela que vem, inunda o pavimento, muda a rotina e vai-se na mesma rapidez.
Eu deveria saber.
Mas talvez eu sempre soube. Soube que sua partida seria tão súbita quanto a chegada. E a sua tão constante presença fosse uma forma de vivermos intensamente e não deixarmos por metades. De fazer tua passagem tão importante quanto a mais longa estadia.
Henry Miller disse que o melhor jeito de esquecer uma mulher é transformá-la em literatura. Honestamente, eu não queria esquecer-te. Mas apagar você doerá menos que culpar-te. Porque você partiu antes de mim. E como diria Anavitória: “Nem me deixou barco frágil pr’eu me salvar do naufrágio que foi te dar meu coração”.
Você sabia que não sentia, mas eu sequer preparava-me para solidão. E, no final das contas, “oceano” era a vida; você, a caravela que seguia; e eu, a que perdida contemplava a imensidão.
Autoria: Queijocomgoiabada