Guimarães Rosa, nascido em Codisburgo, MG, além de médico, diplomata e novelista, foi – e ainda é – considerado um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. Seus contos e poemas são ambientados no chamado sertão brasileiro, mas não é só isso, suas obras se destacam pelas suas inovações na escrita e uso da linguagem popular em suas escritas.
Dos milhares escritos que tem do Guimarães Rosa por aí, vamos deixar aqui 18 citações de poemas e trechos dos livros Magma e gênese da obra (1997) e de seu magnum opus Grande Sertão: Veredas (1994).
Aproveite!
#1 Revolta
Todos foram saindo, de mansinho,
tão calados,
que eu nem sei
se fiquei mesmo só.
Não trouxe mensagem
e nem deram senha…
Disseram-se que não iria perder nada,
porque não há mais céu.
E agora, que tenho medo,
e estou cansado,
mandam-me embora…
Mas não quero ir para mais longe,
desterrado,
porque a minha pátria é a minha memória.
Não, não quero ser desterrado,
que a minha pátria é a memória…
>João Guimarães Rosa, do livro “Magma”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 136.
#2 Lunático
Vou abrir minha janela sobre a noite.
E já bem noite, a lua,
alta a um terço do seu arco,
terá de deslizar pelo meu quarto adentro,
e passear sobre o meu rosto, adormecido e lívido,
quando eu sair a sonhar pelas estradas noturnas,
sem fim, sem marcos, nem encruzilhadas,
que levam à região dos desabrigos…
Sonharei com mares muito brancos,
de águas finas, como um ar dos cimos,
onde o meu corpo sobrenada solto,
por entre nelumbos que passam boiando…
Ouvirei a rainha do País do Suave Sonho,
cantando no alto sempre o mesmo canto,
como a sereia do sempre mais alto…
E a janela se fecha, prendendo aqui dentro
o raio suave que prendia a lua…
Para que eu soçobre no mar dos nenúfares grandes,
onde remoinham as formas inacabadas,
onde vêm morrer as almas, afogadas,
e onde os deuses se olham como num espelho.
>João Guimarães Rosa, do livro “Magma”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 64.
#3 “(…) O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. (…)”
>João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 448.
#4 “(…) O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. (…)”
>João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 24.
#5 “(…) Em desde aquele tempo, eu já achava que a vida da gente vai em erros, como um relato sem pé nem cabeça, por falta de sisudez e alegria. Vida devia de ser como na sala do teatro, cada um inteiro fazendo com forte gosto seu papel, desempenho. (…)”
>João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 340.
#6 “(…) Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. (…)”
>João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 438.
#7 “(…) Apatetado? Nem não sei. Tive medo não. Só que abaixaram meus excessos de coragem, só como um fogo se sopita. (…)”
>João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 494.
#8 “(…) Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo. (…) Deus existe mesmo quando não há. (…) Mas a gente quer Céu é porque quer um fim: mas um fim com depois dele a gente tudo vendo. (…)”
>João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 76.
#9 “(…) Mas, na ocasião, me lembrei dum conselho de Zé Bebelo, na Nhanva, um dia me tinha dado. Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente. (…)”
>João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 328.
#10 “(…) Viver é muito perigoso; e não é não. Nem sei explicar estas coisas. Um sentir é o do sentente, mas outro é o do sentidor. O que eu quero, é na palma da minha mão. (…)”
>João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 439.
#11 “(…) Ah, para o prazer e para ser feliz, é que é preciso a gente saber tudo, formar alma, na.consciência; para penar, não se carece: bicho tem dor, e sofre sem saber mais porquê. (…)”
Citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 440.
#12 Gargalhada
Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias…
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo…
>João Guimarães Rosa, do livro “Magma”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 91.
#13 Saudade
Saudade de tudo!…
Saudade, essencial e orgânica,
de horas passadas,
que eu podia viver e não vivi!…
Saudade de gente que não conheço,
de amigos nascidos noutras terras,
de almas órfãs e irmãs,
de minha gente dispersa,
que talvez até hoje ainda espere por mim…
Saudade triste do passado,
saudade gloriosa do futuro,
saudade de todos os presentes
vividos fora de mim!…
Pressa!…
Ânsia voraz de me fazer em muitos,
fome angustiosa da fusão de tudo
sede da volta final
da grande experiência:
uma só alma em um só corpo,
uma só alma-corpo,
um só,
um!…
Como quem fecha numa gota
o Oceano
afogado no fundo de si mesmo…
>João Guimarães Rosa, do livro “Magma”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 132.
#14 “(…) Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por que é que é. (…)”
>João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 248.
#15 “(…) Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto. (…)”
>João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 110.
#16 “(…) E uma coisa me esmoreceu a torto. Medo, não, mas perdi a vontade de ter coragem. Mudamos de acampo, para perto, para perto. (…)”
>João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 274.
#17 “(…) Vejo que o senhor não riu, mesmo em tendo vontade. Também tive. Ah, hoje, ah – tomara eu ter! Rir, antes da hora, engasga. E eu me enviava pelo sério. (…)”
>João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 584.
#18 “(…) Sério, quieto, feito ele mesmo, só igual a ele mesmo nesta vida. Tinha notado minha ideia de fugir, tinha me rastreado, me encontrado. Não sorriu, não falou nada. Eu também não falei. O calor do dia abrandava. Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus
lugares ensombrados. Aquele verde, arenoso, mas tão moço, tinha muita velhice, muita velhice, querendo me contar coisas que a ideia da gente não dá para se entender – e acho que é por isso que a gente morre. (…)”
João Guimarães Rosa, citação do livro “Grande Sertão: Veredas”. Nova Aguilar, 1994, p. 405.
Os livros aqui citados foram Magma e Grande Sertão: Veredas.
E de brinde, assista também uma entrevista de Guimarães Rosa no documentário Outro Sertão, de 1962.